Lá pelos meus 11, 12 anos de idade ganhamos, ou pegamos emprestado – não me recordo – uma fita de video-cassete (alguém se lembra disso?) com alguns filmes de um parente nosso.
Entre tantos filmes, vistos e revistos, um deles era “A cor púrpura”.
Claro que não era exatamente um filme pra crianças, mas a história me marcou muito e gerou um nojo quase permanente pelo ator Danny Glover, que faz o papel de Albert.
Anos depois descubro que esse filme é baseado em um livro escrito por Alice Walker, uma feminista norte-americana negra. Hoje, eu, me autodenominando feminista, envolvida na área profissional com políticas para mulheres, e negra, tive cada vez mais motivos agregados para conhecer essa história.
Assim, escolhi essa obra para leitura de abril (sim, estou atrasada!).
Confesso que da mesma forma que é chato assistir um filme depois de ler o livro em que ele se baseia, assistir ao filme dezenas de vezes antes de ler o livro original acabou engessando um pouco minha imaginação. Mas, vamos ao livro.
A história conta da vida de Celie desde de seus quatorze anos até sua fase adulta.
Utilizando o recurso narrativo de cartas que Celie escreve a deus, o que reforça em nós a sensação de solidão perante as diversas tragédias e violências pelas quais passou, acompanhamos um processo progressivo de empoderamento dessa mulher negra em um contexto fortemente racista e machista, no sul dos EUA. O período em que a história se passa não fica explícito no livro, mas pela presença de automóveis, imagino que não seja em época muito distante.
Pela quantidade de temáticas tratadas, e pelo meu desajeito causado pela cada vez menos frequente prática da escrita, decidi enumerá-las em tópicos:
- violência sexual contra criança em contexto de pretenso incesto;
- a classificação da mulher através de um padrão de beleza ou habilidades com afazeres de casa;
- o tratamento da mulher enquanto objeto de troca;
- impedimento de estudo a mulheres em determinados contextos;
- amor – relação homoafetiva;
Celie apaixona-se por Shug, uma mulher completamente diversa daquelas com quem convivia: ela é livre.
Como mulher negra e artista passou também por diversas dificuldades, porém adota uma postura muito mais pró-ativa.
A aproximação das duas gera um laço afetivo e erótico, fazendo com que Celie desenvolva outro tipo de relação com seu próprio corpo e autoimagem.
- naturalização da violência contra mulher, inclusive por quem já a sofreu;
- ressignificação de elementos religiosos tradicionais;
Para além da protagonista, temos outras reflexões nesse sentido. Deixo aqui uma citação:
"Dizem que os missionários brancos antes da Nettie e deles foram contar tudo acerca do Adão de acordo com a opinião dos Brancos. Mas eles sabem quem é o Adão à maneira deles. Há muitohomem branco. Não é o primeiro homem. Dizem que ninguém é tão parvo que pensa que sabe quem foi o primeiro homem. Mas toda a gente repara no primeiro homem branco porque é branco."
- relação entre ativistas/missionários e comunidade tradicional;
- empoderamento da mulher em situação contínua de opressão, que vemos ao longo de toda história, até seu ápice;
- perdão: essa parte me deixou um tanto chocada (por causa do meu engessamento com o filme), mas achei interessante pois a autora evitou trabalhar os personagens de forma maniqueista;
- racismo: como fica explícito nas relações com os brancos da cidade.
- violência entre “minorias”
De forma geral, apesar do foco estar em Celie, a autora constrói todas suas personagens mulheres como figuras fortes. As variadas características femininas ajudam a criar diversos matizes, impedindo generalizações sobre mulheres negras.
Uma leitura extremamente válida e que, apesar de ter sido uma ótima adaptação às telas do cinema, ainda nos apresenta uma quantidade maior de reflexão.
Tenho que ler ainda :D
ResponderExcluirA parte em que a Cellie conversa com a Shug a respeito de deus é demais!
ResponderExcluirLi este livro há muito tempo e adorei! Comecei por conhecer a história pela versão cinematográfica de Steven Spielberg e não pude deixar de ler. Adorei!
ResponderExcluirPara quem quer ler, encontrei para baixar grátis:
http://portugues.free-ebooks.net/ebook/A-Cor-Purpura
Boas leituras!