A história está dividida em três partes, cada qual com sua voz e estilo, representando um dos vértices de um triângulo amoroso. O recurso narrativo utilizado me lembrou bastante Kundera em “A brincadeira” e “A insustentável leveza do ser”. Na verdade, o que acho mais curioso é que o livro de Benedetti foi publicado com um mínimo de 14 anos de antecedência dos livros desse outro autor que citei (em 1953), porém não alcançou a fama mundial do escritor tcheco.
Mas vamos ao enredo: o romance mostra diversos pontos de vista sobre a mesma situação: o “abandono” de Alicia a seu marido, Miguel.
A sequência das perspectivas é colocada de forma estratégica, nos deixando sem saber ao final do livro “quem deles” tem a real versão dos fatos, quando a sensação que dá é a que todos são donos de alguma verdade.
Na primeira parte, Miguel escreve em seu diário sobre como percebe sua vida e sua relação com Alicia.
Suas conjecturas me fazem lembrar muito o personagem Bentinho (Dom Casmurro) e isso vai se reforçando no decorrer da leitura.
A própria postura de colocar sua esposa na palma da mão de seu amigo (digo isso porque já fica explícito na primeira página do livro) e toda sua posição perante a vida me remete à imagem de uma pessoa extremamente derrotista, o que, de certa forma, gera certa empatia, ao mesmo tempo que indignação da minha parte.
Coloco aqui uns trechos que me chamaram mais atenção - sempre lembrando que dá vontade de grifar praticamente o livro inteiro:
“Amava neles aquilo que escondiam ou que só mostravam a contragosto. […]”. p.19
“O certo é que a vida – que indecente é chamá-la assim, como se fosse uma divindade, como se encerrasse uma esotérica significação e não fosse aquilo que todos sabemos que é: uma repetição, uma entendiante repetição de dilemas, de rostos, de desejos! -, o certo é que a vida desde o começo me tirou vantagens, e não consegui nem conseguirei jamais recuperar o terreno perdido. É um ofício odioso o de testemunha, e nem sequer posso evitar sê-la de mim mesmo, comprovar como vou ficando para trás no afeto, na estima daqueles que esperavam alguma coisa de mim”. p.20
“Contudo acho que Lucas precisa de um pouco mais de realidade real. Seus relatos parecem sempre muito vividos, pretendem ser meras experiências acentuadas, e sei que ele mesmo sempre que pode assim o reivindica. No entanto a realidade é muito mais vulgar, mais medíocre , mais plana.” p. 29
“Para quem não tem religião, não existe uma intensidade especial de abatimento. Note que toda a vida está abatida, que toda a vida é desespero” p. 39
Já o capítulo de Alicia (a esposa) é escrito em formato de carta direcionada a Miguel na ocasião de sua decisão. É extremamente interessante o outro ponto de vista. Chega a ser assustadora a perspectiva de como uma visão “viciada” sobre a vida acaba interpretando os gestos alheios de uma forma tão singular que foge à realidade!
Vai aqui mais um trecho do livro, mas agora sob o ponto de vista de Alicia:
“Incorremos em vários erros, mas acho que o nosso grande equívoco, o mais irremediável, foi nunca falar sobre eles. A única franqueza possível, aquela que possui a maioria dos casais que diariamente se insulta, amaldiçoa e desfruta por igual de suas etapas de ódio e apaziguamento, foi isso que perdemos. Eles estão constantemente atualizando a imagem do outro, sabem reciprocamente a que se ater, mas nós estamos atrasados, você em relação a mim, eu em relação a você […]. Quem sabe o quanto de bom e amável houve em você e em mim, uma felicidade acessível, potencial, na qual nunca reparamos. Mas já é tarde.” p. 51
Já Lucas, o “amante” e amigo de longa data de Miguel, é escritor e resolve dar contornos próprios à história ao escrever um conto (mas fazendo sempre referência ao que aconteceu, de fato, nas notas de rodapé), mas não vou comentar sobre esse capítulo pra não estragar a leitura.
O conteúdo e o formato da história são muito bons, mas acabo sentindo uma carga grande de frustração pelas vidas descritas e reconhecidas, mas transformar angústia em beleza é uma das qualidades de Benedetti.
Agora um momento coluna de fofocas: ao assistir o documentário, já citado, sobre a vida de Mario e ao ver descrita sua relação com a esposa e o convívio próximo, na adolescência, dos dois com seu irmão-amigo, me projetou imediatamente ao “Quem de nós”. Acabei tendo a impressão de que Benedetti pintou elementos de sua personalidade nos dois personagens masculinos.
Mas isso é apenas uma fofoca-hipótese, que pode ter nenhuma procedência, mas gosto de imaginar que tenha!
Pra mim, a leitura valeu muitíssimo a pena! Pra não dizer que estou sendo tendenciosa, coloco o link de uma segunda opinião no blog Nós todos lemos.
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