sábado, 20 de agosto de 2011

Livro de Abril: O fio da navalha, de Somerset Maugham.

A curiosidade em relação a esta obra literária veio quando minha irmã mostrou um trecho dela, que falava da abnegação:

"[...] a abnegação é uma paixão tão avassaladora que, a seu lado, até mesmo a luxúria e a fome pareceram insignificantes. Impele a vítima à destruição, na mais alta afirmação da personalidade. O objeto não tem importância; pode ser ou não ser merecedor do sacrifício. Nenhum vinho é tão intoxicante, nenhum amor tão destruidor, nenhum vício tão subjugante. Quando um homem se sacrifica, ele é maior que Deus. Pois como poderia Deus, infinito e onipotente, sacrificar-se? Quando muito pode sacrificar seu filho unigênito".

Pensei: "Que demais, o livro inteiro deve ser muitíssimo interessante, ainda mais com esse título bem 'cortante'".

O começo da obra é bem chatinha, pois narra mais a vida de Elliot - um norte-americano com mania de nobreza. Particularmente achei um personagem bem mundano, fútil e superficial - e não foi somente primeira impressão! Enfim, até a metade eu ainda não sabia que rumo a história iria tomar, até que a presença de Larry se torna mais forte e então descobrimos quem é a pessoa de quem o autor fala no prefácio. O final deixa a desejar, já que temos a tendência de querer um fim, um fechamento da história; mas existem trechos interessantíssimos, que você só conseguirá garimpar se seguir até o fim.
Um livro de puros desejos e sentimentos humanos, dos mais torpes aos mais sublimes!


Deixo alguns trechos para vocês se deleitarem:


"Uma rapariga fica lisonjeada por ter alguém que lhe faça sempre a corte e, quando ela sabe que não há uma das suas amigas que não ficaria radiante de poder casar-se com ele ... Pois bem, diga-me: acha natural que resista à tentação de suplantar todas as outras? Explico-me melhor: é o mesmo que você ir a uma festa, sabendo que vai aborrecer-se à grande e que lá só servirão limonada e biscoitos; mas vai porque sabe que os seus amigos dariam a vida por ir e, no entanto, não foram convidados".


"Tinham as mesmas pestanas muito pintadas, os mesmos lábios rubros, as mesmas faces carregadas de carmim, a mesma delgada silhueta, mantida a custo de incríveis sacrifícios, as mesmas feições nítidas, agudas, o mesmo olhar faminto e inquieto; e ninguém podia deixar de perceber que a sua vida era uma luta desesperada pela conservação de encantos que atingiam o ocaso. Falavam sobre futilidades, numa voz alta, metálica, sem uma pausa, como se temessem que, se ficassem por um momento silenciosas, a máquina emperrasse e o monumento artificial de que eram símbolo se esfacelasse por completo".

"Bom, o amor não é bom marinheiro e definha-se numa viagem por mar".

"Em todas as grandes cidades existem grupos fechados que não comunicam entre si, pequenos mundos dentro de um mundo maior, a viver a sua vida, dependendo os seus componentes da companhia uns dos outros, como habitantes de ilhas separadas entre si por canais inavegáveis".

"A paixão não mede as consequências. Pascal disse que o coração tem razões que a razão desconhece. Se é que o interpretei bem, ele queria dizer que, quando a paixão se apodera de um coração, este inventa, para provar que por amor todo sacrifício é pouco, razões não somente plausíveis, mas conclusivas. Ficamos convencidos de que vale a pena aceitar a desonra, e que a vergonha não é preço exagerado para se pagar por ele. A paixão é destruidora. Destruiu Antônio e Cleópatra, Tristão e Isolda, Parnell e Kitty O'Shea. E, quando não destrói, morre. É possível que então a pessoa se veja na amarga contingência de reconhecer que desperdiçou anos de vida, que se desgraçou inutilmente, que sofreu a tortura do ciúme, engoliu toda espécie de humilhações, tendo dado a sua ternura, as riquezas da sua alma a um ser insignificante, idiota, uma estaca onde dependurou seus sonhos, e que não valia dois tostões de mel coado".


"Eu nunca tivera muita fé na intuição das mulheres; geralmente coincide demais com os desejos delas, para inspirar-me confiança".

"Eu ficava a ouvir os monges quando recitavam o Padre-Nosso. Como podiam eles, sem apreensão, continuar a pedir ao Pai Celestial que lhes desse o pão de cada dia? Por acaso as crianças pedem ao seu pai terrestre que as alimente? Esperam isso dele; não sentem, nem precisam sentir gratidão; e não há quem não censure o homem que põe filhos no mundo quando não pode ou não quer sustentá-los. A mim me parecia que, se um criador onipotente não podia prover às necessidades materiais e espirituais das criaturas, teria então sido preferível não criá-las".


"[...] o caminho mais nobre, se bem que o mais árduo é o do conhecimento,
pois o seu instrumento é a mais preciosa faculdade do homem: a razão".


"Nada no mundo é permanente, e somos tolos em desejar que uma coisa perdure, mas mais tolos ainda seríamos se não a apreciássemos enquanto a temos".


E para fechar com chave de ouro:


"- Não se lembra que Jesus foi para o deserto e jejuou durante quarenta dias? E então, quando ele estava esfaimado, o tentador lhe apareceu e disse: "Se és filho de Deus, ordena a estas pedras que se façam pães". Mas Jesus resistiu à tentação. Então o demônio o colocou sobre o pináculo do templo e disse: "Se és filho de Deus, lança-te daí abaixo". Pois ele estava sob a proteção dos anjos, e estes o teriam amparado. Mas Jesus resistiu. E então o diabo o conduziu a um monte muito mais alto e mostrou-lhe os reinos do mundo, dizendo: "Todas estas coisas te darei se, prostrado, me adorares". Mas Jesus respondeu: "Vai-te, Satanás". De acordo com o bom e simples S.Mateus, foi esse o fim da história. Mas não foi, não. O demônio era astucioso e de novo veio a Jesus: "Se aceitares a vergonha e a ignomínia, a flagelação, uma coroa de espinhos e a morte na cruz, salvarás a humanidade, pois maior amor não existe no mundo que o amor do homem que dá a vida por um amigo". E Jesus sucumbiu. O diabo riu a mais não poder, pois bem sabia que pecados iriam os homens cometer em nome do seu redentor.
[...]
- Eu só queria dizer-lhe que a abnegação é uma paixão tão avassaladora que, a seu lado, até mesmo a luxúria e a fome pareceram insignificantes. Impele a vítima à destruição, na mais alta afirmação da personalidade. O objeto não tem importância; pode ser ou não ser merecedor do sacrifício. Nenhum vinho é tão intoxicante, nenhum amor tão destruidor, nenhum vício tão subjugante. Quando um homem se sacrifica, ele é maior que Deus. Pois como poderia Deus, infinito e onipotente, sacrificar-se? Quando muito pode sacrificar seu filho unigênito".

Um comentário:

  1. Nossa abnegação me remete a adolescência... adolescentes são assim... intensos pra amar e deixar de amar... pelo menos uma maioria deles

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