domingo, 1 de maio de 2011

A insustentável leveza do ser

Finalmente a resenha do livro do mês de fevereiro! Devido a vários compromissos fui adiando a leitura, mas enfim consegui.

A primeira vez que me decidi a ler Kundera (na verdade minha irmã quem decidiu - para o livro de algum mês aqui no blog) não consegui. Mas não devido a dificuldades com a linguagem do autor, e sim com a digitalização do livro mesmo (era uma porcaria). Enfim... Procurando a definição de algum livro - que não me lembrava qual era, sobre "abnegação" - achei que estava em A insustentável leveza do ser. Não estava! Em compensação gostei bastante da leitura.

Milan Kundera participou da chamada Primavera de Praga (creio que todos já ouviram ao menos falar), que foi um movimento tcheco para humanizar o comunismo, abrandando a truculência do regime encabeçado pelos soviéticos e puxa-sacos de Stálin. E claro que movimentos assim são reprimidos com violência, já sabemos. Esse é o "pano de fundo" obra.

A história tem como personagens principais o casal Tomas e Teresa (e também Tomas e Sabina, Sabina e Franz...). Basicamente gira em torno da vida dessas quatro pessoas: Tomas, Teresa, Sabina e Franz (e a cachorrinha Karenin). Interessante que Kundera analisa (e explica) a vida de cada personagem a partir de uma teoria pré-socrática (Parmênides) que fala da dualidade de tudo que existe, sobretudo do peso e da leveza. Cada um, por assim dizer, escolhe como viver a vida, ora fugindo do peso, ora da leveza que a vida traz. E o enredo segue sobre as implicações dessas escolhas, por assim dizer (e se é que podemos realmente escolher!) na vida do quarteto.

Não é uma narrativa linear. Kundera também é onisciente e faz colocações bem bacanas ao longo da leitura, especulando sobre sentimentos delicados, política, teologia... Diversas reações podem ser provocadas no leitor: indignação, compaixão (e ele fala da compaixão em um trecho), risadas etc.

Peço desculpas aos leitores do blog, pois aconteceu algum erro na formatação e não consegui arrumar. Ficam aqui algumas ideias interessantes dessa gostosa obra:



"Porque é assim mesmo que é composta a vida humana. Ela é composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito (uma música de Beethoven, a morte numa estação) para fazer disso um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema, repetindo o, modificando-o, desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor com os temas de sua sonata. Ana poderia ter posto fim a seus dias de outra maneira. Mas o tema da estação e da morte, esse tema inesquecível associado ao nascimento do amor, atraiu-a no momento do desespero por sua sombria beleza. O homem inconscientemente compõe sua vida segundo as leis da beleza mesmo nos instantes do mais profundo desespero".


"Aquele que deseja continuamente elevar-se deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas por que sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. E a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados".


"Eu poderia dizer que a vertigem é a embriaguez causada pela nossa própria fraqueza. Temos consciência da nossa própria fraqueza mas não queremos resistir a ela e nos abandonar. Embriagamo-nos com nossa própria fraqueza, queremos ser mais fracos ainda, queremos desabar em plena rua, à vista de todos, queremos estar no chão, ainda mais baixo que o chão".


"Posso, portanto, dizer que o amor era para Franz a espera contínua do golpe que iria atingi-lo".


"Já disse que as metáforas são perigosas. O amor começa por uma metáfora. Ou melhor: o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética".


"O amor é a nossa liberdade".


"Se a maldição e o privilégio são uma só e única coisa, se não existe diferença alguma entre o nobre e o vil, se o filho de Deus pode ser julgado por uma questão de merda, a existência humana perde suas dimensões e adquire uma insustentável leveza".


"Os antigos gnósticos pensavam tão claro como eu aos cinco anos. Para resolver esse maldito problema, Valentino, Grão-Mestre da Gnose do século II, afirmava que Jesus comia, bebia, mas não defecava. A merda é um problema teológico mais penoso que o mal. Deus dá liberdade ao homem e podemos admitir que ele não seja o responsável pelos crimes da humanidade. Mas a responsabilidade pela merda cabe inteiramente àquele que criou o homem, somente a ele.
[...]

Esse ideal estético se chama kitsch. Esta é uma palavra alemã que apareceu em meados do sentimental século XIX e que, em seguida, se espalhou por todas as línguas. O uso repetido da palavra fez com que se apagasse seu sentido metafísico original: em essência, o kitsch é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal quanto no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo que a existência humana tem de essencialmente inaceitável".



"No começo do Gênese está escrito que Deus criou o homem para reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais. E claro, o Gênese foi escrito por um homem e não por um cavalo. Nada nos garante que Deus desejasse realmente que o homem reinasse sobre as outras criaturas. E mais provável que o homem tenha inventado Deus para santificar o poder que usurpou da vaca e do cavalo. O direito de matar um veado ou uma vaca é a única coisa sobre a qual a humanidade inteira manifesta acordo unânime, mesmo durante as guerras mais sangrentas".


"O homem é o parasita da vaca, essa é, sem dúvida, a definição que um não-homem poderia dar ao homem em sua zoologia".


"Nunca se poderá determinar com certeza total em que medida nosso relacionamento com o outro é o resultado de nossos sentimentos, de nosso amor, de nosso não-amor, de nossa complacência, ou de nosso ódio, e em que medida ele é determinado de saída pelas relações de força entre os indivíduos. A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força".


"O tempo humano não gira em círculos, mas avança em linha reta. Por isso o homem não pode ser feliz, pois a felicidade é o desejo da repetição".



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