quinta-feira, 17 de março de 2011

Aperitivos de Alberto Caeiro

Agora é a vez de Alberto Caeiro!

Um outro Pessoa.

Confesso que não costumava dar muita bola pra ele. O via tão “as coisas são como são” que se tornava sem graça perto da intensidade do Álvaro de Campos. Conhecia uma ou outra poesia, mas não dava tanta importância...

O que me fez aproximar de sua obra foi um presente de formatura.

Uma pessoa bem querida viu no meu perfil do Orkut (minha antiga vitrine de preferências) que eu gostava de Fernando Pessoa e decidiu me dar no dia da minha colação de grau uma coletânea de poesias do Alberto Caeiro junto com um cartão que guardo até hoje e um incenso.

A princípio achei bastante curioso dentre tantas opções que Fernando Pessoa nos oferece ela escolher justamente esse poeta para me presentar. Pode ter sido uma escolha aleatória, mas pensei: “Poxa, que bom que ela não me acha desequilibrada como o Álvaro de Campos!”

Uma grande bobeira, claro! Até porque lendo mais detidamente seus poemas pude destruir a ideia de passividade que tinha de Caeiro e pude notar a intensidade dos sentidos e certa pitada de melancolia, em alguns casos, que ele descreve.

Confesso que em meio de tantas tentativas de racionalização, projeção e expectativas falta mais de Alberto Caeiro em mim.

Aqui vai a seleção das poesias/fragmentos favoritos:


“Diferente de tudo, como tudo.”


“Quem tem flores não precisa de Deus.”


“Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes

Para não pensar em cousa nenhuma,

Para nem me sentir viver,

Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido”


"[...]Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender...

O mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estamos de acordo.


Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar...


Amar é a eterna inocência,

E a única inocência é não pensar...”

Completo neste link


(Aqui vejo uma pitadinha de Álvaro de Campos)


“Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?

Sei lá o que penso do mundo!

Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das cousas?

Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?

Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma

E sobre a criação do mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos

E não pensar. É correr as cortinas

Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O único sentido íntimo das cousas

É elas não terem sentido íntimo nenhum.


Não acredito em Deus porque nunca o vi.

Se ele quisesse que eu acreditasse nele,

Sem dúvida que viria falar comigo

E entraria pela minha porta dentro

Dizendo-me, Aqui estou!

Mas se Deus é as flores e as árvores

E os montes e o sol e o luar,

Então acredito nele,

Então acredito nele a toda a hora,

E a minha vida é toda uma oração e uma missa,

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.”


Acho impagável o poema da descida de Jesus criança na Terra, na aldeia de Caeiro!
É grandinho, por isso coloco só uns trechos:

(Aqui Caeiro narra como Jesus conta a chatice de ser essa personalidade)

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe

Como as outras crianças

O seu pai era duas pessoas -

Um velho chamado José, que era carpinteiro,

E que não era pai dele;

E o outro pai era uma pomba estúpida,

A única pomba feia no mundo

Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala

Em que ele tinha vindo do céu.

[…]

Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente.

Sempre a escarrar no chão

E a dizer indecências.

A Virgem Maria leva as tarde da eternidade a fazer meia.

E o Espírito Santo coça-se com o bico

E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.”


Tirando do contexto fica bastante agressivo, mas no poema ele não é tanto, acredite.


Mas nem sempre quero ser feliz.

É preciso ser de vez em quando infeliz

Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,

E a chuva, quando falta muito, pede-se.

Por isso tomo a infelicidade com a felicidade

Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies

E que haja rochedos e erva...


O que é preciso é ser-se natural e calmo

Na felicidade ou na infelicidade,

Sentir como quem olha,

Pensar como quem anda,

E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,

E que o poente é belo e é bela a noite que fica...

Assim é e assim seja”


Uma flor acaso tem beleza?

Tem beleza acaso um fruto?

Não: têm cor e forma

E existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe

Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.

Não significa nada.

Então porque digo eu das cousas: são belas?”


Procuro dizer o que sinto

Sem pensar em que o sinto.

Procuro encostar as palavras à ideia

E não precisar dum corredor

Do pensamento para as palavras.”


Todos os dias agora acordo com alegria e pena.

Antigamente acordava sem sensação nenhuma, acordava.

Tenho alegria e pena porque perco o que sonho

E posso estar na realidade onde está o que sonho.

Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei-de ser comigo.

Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.


Quem ama é diferente de quem é.

É a mesma pessoa sem ninguém.”


Basta existir para se ser completo.”


Todas as teorias, todos os poemas

Duram mais que esta flor,

Mas isso é como o nevoeiro, que é desagradável e húmido,

E mais que esta flor...

O tamanho ou duração não têm importância nenhuma...

São apenas tamanho e duração.

O que importa é aquilo que dura e tem dimensão

(Se verdadeira dimensão é a realidade)...

Ser real é a cousa mais nobre do mundo.”


Pouco me importa.

Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa.”


Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro.
Não acredito que exista por detrás de mim.”


Agora percebo que os escritos de Caeiro me acalmam...

Valeu, Ju Kabad! ;)

2 comentários:

  1. Acalmam? oO'

    Imaginando aqui o escândalo que não deve ser esse poema sobre Jesus criança até hoje lá em Portugal, hehehe (risada maquiavélica).

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  2. Ah, acalma pq fala com tanta convicção da impermanência e inevitabilidade das coisas, dessa coisa de parar de ficar inventando minhoca na cabeça e complicando demais que acho válido!
    Por esse lado que me traz certa serenidade...
    Mas se formos ver por outro ângulo... essa é uma maneira bem egoísta de se viver o mundo. Tipo "as coisas são assim mesmo e dane-se!", desprezando coisas que não são captáveis na superfície e que são importantes.
    Bem, Pessoa parecia se lixar pra esses lances mais sociais e tinha verdadeira paúra do comunismo.
    Enfim... Deixa quieto... Já estou começando a agir como uma "doente dos olhos" :X
    'Xo curtir o climinha dele agora :P

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