sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Comemoração e aperitivos - Fernando Pessoa e Álvaro de Campos


Eu sei que soa bizarro à primeira vista comemorar aniversário de morte de alguém, mas de certa forma acho que tem coerência.

Comemorar o aniversário de vida é expressar um afeto incondicional: “comemoro porque você existe”.

Já comemorar o aniversário de morte é como se tivesse subentendido o seguinte raciocínio: “Analisando o único momento em que podemos fazer um 'balanço' sobre a vida de alguém - que é quando ela deixa de ser dinâmica e inesperada – pude chegar à conclusão que tua vida foi muito bem “exercida” não só para ti, mas para os que ficaram.” É uma comemoração até mais racional do que a outra – apesar de aparentemente absurda...

Isso tudo pra dizer que dia 30/11 foi aniversário de 75 anos da morte do Fernando Pessoa! (Eu “comemorei” escrevendo esse post, mas como não tinha terminado estou publicando só hoje).

Eu poderia fazer um breve comentário sobre a vida dele e seus heterônimos, mas se é pra ficar na superfície tem Wikipedia. Por outro lado, se eu escolhesse fazer algo útil, optaria escrever um trabalho acadêmico (há controvérsias! haha), o que obviamente não é objetivo desse blog e nem meu, na verdade...

O que posso dizer é como o “conheci”.

Meu primeiro contato com ele foi, sem dúvida, através de gramáticas escolares. Trechos célebres como: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Mar português – Fernando Pessoa), ou “Todas as cartas de amor são ridículas...” (Álvaro de Campos) sempre povoaram a parte mais legal desses livros didáticos. Depois conheci a "Autopsicografia" ("O poeta é um fingidor...”) através de “A marca de uma lágrima” do Pedro Bandeira. “Livro de escola” também.

Até aí, ok... até descobrir “Tabacaria”!
De todos “os outros Pessoas”, Álvaro de Campos é o que definitivamente mais me toca! Toda a angústia, ansiedade, frustração (decorrente da ansiedade) e a força intensa com que ele escreve chegam a me causar taquicardia em uma simples leitura.

É MUITO difícil selecionar trechos das poesias dele, mas aqui vão umas tentativas (sempre lembrando que o poema completo não pode ser desprezado – para ler completo, basta clicar no título):


Passagem das horas
“Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.”


Lisbon revisited (versão de 1923)
“Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?”


Ah, um soneto!
“Meu coração é um almirante louco...”
(esse só lendo inteiro!)


Lisbon revisited (versão 1926)
“Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.”


Grandes são os desertos
“Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.”


Poema em linha reta
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
(...)
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
(...)
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"


Não, não é cansaço...

“Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —"


Aniversário (diz que foi escrito originalmente no dia 13/06, aniversário do próprio Fernando Pessoa, mas depois que terminou ele leu e disse: “Quem escreveu isso foi o Álvaro de Campos – que, segundo Pessoa - fascinado por astrologia -, é de escorpião)

“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
(...)”




Bem... Chega de aperitivos de Álvaro de Campos.
Outra hora passo aqui pra deixar outros Pessoas. Tentarei, pelo menos.

2 comentários:

  1. Adorei esse post, concordo completamente com vc, Eu realmente gosto mais de Álvaro de Campos do que de Pessoa rs e meu amor por ele também surgiu depois de descobrir Tabacaria. Longa vida a Pessoa e a Campos, ainda depois de 75 anos de sua(s) morte(s)!!!!

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  2. Adoro "Lisbon revisited" (a versão de 1923). Certa vez coloquei em meu perfil e todos vieram me perguntar se havia algo de errado comigo (haha).
    Será que havia algo de errado com Fernando também?
    E é engraçado que mesmo sem ter plena consciência, alguns nossos escritos, personagens, sejam tão inspirados nas pessoas do Fernando.

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