Havia passado três dias que Andrei não saía de sua casa e atravessava a rua para ir ao mercadinho do outro lado. Em sua sala, o clima não diferia do encontrado pelas ruas, onde o vento gelado e sem piedade, que fazia encolher os transeuntes, entrava pela lareira apagada e sem lenha.
Embalado no movimento de sua cadeira de balanço e no rangido monótono que o vime fazia, Andrei deixava que as lágrimas corressem livres pela face enrugada, indo se esconder na barba branca e rota enquanto as lembranças de sua juventude egoísta e alegre dardejavam-lhe o cérebro e o coração.
Saudades? Não. Arrependia-se de ter sido sempre um canalha. Passava pela sua mente, como em uma tela de cinema, cada mulher que enganou. Ah, foram muitas que o amaram! Muitas que moveram céus e montanhas para estar ao seu lado, que se desdobraram para agradá-lo e que depois se debulharam em lágrimas e sofrimentos.
Para ele, o moço fogoso e caprichoso, as mulheres não eram mais do que distração para o tédio. Era divertidíssimo quando fingia estar apaixonado, fazia juras quiméricas e elas entregavam tudo o que ele queria. Tão bobas, românticas, piegas! E depois se transformava em um poço de arrogância – o que realmente era – que nenhuma delas, das que engravidaram, ousou dizer-lhe. Algumas vieram a falecer devido a complicações de aborto. Mas Andrei nunca tinha interesse em saber a história das mulheres que usou, a vida era curta demais para se preocupar com o que já passou, e tinha ânsia de novas conquistas.
Ninguém jamais poderia dizer que aquele velhinho com a pele branca e delicada como a neve e olhos de céu, tão frágil e encurvado, tinha sido um destruidor de corações. Não entenderiam porque, sendo tão comovente nos seus passos incertos e trêmulos, não havia ninguém para ampará-lo em sua solitária velhice.
A amargura tomou conta de seu ser. Somente agora, quase centenário, se deu conta: estava só, só e abandonado! Uma saudade desconhecida de ter uma esposa amorosa que o esquentasse nas noites de inverno, que lhe fizesse companhia nas refeições, de filhos que lhe dariam orgulho a cada vitória conquistada, de netos correndo ao seu redor... De humanidade!
Seu inicial torpor, causado pelas recordações e emoções vivenciadas – no passado e agora – deu lugar a uma dor aguda no peito e um arrepio que enregelou o âmago de seu organismo. Agora, sentia com um pavor assombroso a rigidez se apossar lentamente. Uma ventania mais forte derruba a bengala ao lado no chão fazendo soar um estalido. E agora tudo se transformou em escuro e solidão.
Catarse *;P
ResponderExcluirQue assim seja, então!
Na verdade, a ideia surgiu de uma conversa com uma guria que atendia velhinhos em asilos. Morria de pena de todos, até que conheceu a história de um deles.
ResponderExcluirMas nem todos são abandonados em depósitos de gente porque foram mau caráter durante a vida. Por isso é importante ponderar, não jogar todas as pessoas no mesmo saco de farinha.
Só que infelizmente, a tendência é nos deixamos impressionar e/ou sensibilizar pela beleza ou fragilidade, que não são indicadores de bom coração...
Acho que a mensagem é essa :P
Temos dois velhinhos diferentes nesses últimos posts.
ResponderExcluirQue fixação a nossa! *8X
Vai ver porque esse seja nosso futuro próximo, haha.
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