terça-feira, 27 de novembro de 2012

Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres - Clarice Lispector


“Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” é o segundo romance de Lispector que leio.

O primeiro foi “A hora da estrela” que li para o vestibular mas, que mesmo nessa condição, gostei muito.

Escolhi “Uma aprendizagem...” por influência do seriado infanto-juvenil “Tudo que é sólido pode derreter” que escolheu essa obra para apresentar Clarice para jovens leitores. 

Apesar de já imaginar que o episódio não daria conta de sintetizar uma obra dessa autora, resolvi tirar a prova dos nove! 

A primeiro momento, percebi que a forma de narrar era bem mais subjetiva em relação àquela que conheci n”A hora da estrela” e em alguns outros contos da autora. E isso não é uma crítica negativa!
Lendo esse romance entendo porque a autora se sentia tão cansada quando escrevia! Ela faz reflexões muito existenciais, que, convenhamos, não é todo o dia que conseguimos ter fôlego para esse confronto.

O enredo apresenta poucas ações e muitos pensamentos. Esse fluxo de ideias e elaborações da subjetividade da protagonista, nos faz acompanhar toda a trajetória de dois encontros: o de Lóri (a personagem principal) com Ulisses, e de Lóri consigo mesma.

Em termos de ação, podemos sintetizar a história como o início de um relacionamento amoroso. O casal em questão, porém, é muito específico, pois foge aos estereótipos de como deve se estruturar um amor romântico: Ulisses declara, no início da aproximação, que apenas aprofundaria carnalmente (se é que me entendem) a relação após Lóri encontrar-se. 

Assim, em vez de o “príncipe” enfrentar mil e uma barreiras externas para alcançar a princesa indefesa, acompanhamos a mulher desbravando os perigos internos para alcançar a si mesma.

Somente conhecendo-se é que poderia estar pronta para o real encontro com o Outro. Esse processo, obviamente, não é nada simples. 

Me identifiquei demais com algumas passagens do livro e cheguei a me emocionar com uma. Confesso, porém, que achei que Clarice “pesou a mão” demais nas últimas páginas. Acho que a história se tornaria mais bela caso nem tudo fosse tão expresso... Simples opinião minha. Ou pura inveja. E a inveja, ao mesmo tempo, me mostra que estou bem longe do caminho que foi trilhado com êxito por Lóri.



Deixo abaixo uns dos inúmeros belos trechos da obra:

Meu mistério é simples: eu não sei como estar viva.

- Viver, disse ela naquele diálogo incongruente em que pareciam se entender, viver é tão fora do comum que eu só vivo porque nasci.

Escolher a própria máscara era o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim afivelava a máscara daquilo que se escolhera para representar-se e representar o mundo, o corpo ganhava uma nova firmeza, a cabeça podia às vezes se manter altiva como a de quem superou um obstáculo: a pessoa era.

O que ela era , era apenas uma pequena parte de si mesma. Sua alma incomensurável. Pois ela era o Mundo. E no entanto vivia o pouco. Isso constituía uma de suas fontes de humildade e forçada aceitação, e também a enfraquecia diante de qualquer possibilidade de agir.

Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que  realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta.


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