sábado, 9 de julho de 2011

Os deuses de Raquel - Moacyr Scliar

O terceiro livro escolhido esse ano para leitura conjunta foi “Os deuses de Raquel” de Moacyr Scliar.

A minha escolha se deu, dessa vez, mais pelo autor do que pela fama do livro.

Fomos surpreendidas em fevereiro desse ano pela notícia da morte de Scliar. Ele havia entrado no hospital por uma causa pouco complicada, mas durante o tratamento teve um AVC (acidente vascular cerebral), falecendo alguns dias depois (27 de fevereiro de 2011).

Autor de 48 obras publicadas e membro da Academia Brasileira de Letras (o que não quer dizer muita coisa já que tem como companheiro José Sarney), Moacyr Scliar tem como obras mais conhecidas: “O centauro no jardim”, “O exército de um homem só” (comentado aqui), “A mulher que escreveu a Bíblia”, “Os voluntários”, “Mês dos cães danados”, tendo seu último livro publicado ano passado: “Eu vos abraço, milhões”.

Ambientadas geralmente no Rio Grande do Sul, seu estado de origem, suas histórias geralmente refletem sua trajetória de reflexões políticas e/ou suas raízes culturais.

Dentre os tantos possíveis livros para homenageá-lo nesse blog, escolhi “Os deuses de Raquel” por causa da citação na contracapa:

"As portas não se abrem. Raquel geme e chora até a madrugada. Mas as portas não se abrem.

De manhã, enxuga as lágrimas. Não querem se abrir, as portas? Não se abram. Raquel pouco está ligando. Que sabem as portas de sua missão? Nada. Fiquem fechadas. Quando Raquel terminar seu trabalho, ordens virão do alto e as portas cairão por si. Não perder por esperar."


Foi o suficiente para me “ganhar”.

O tom já parecia bem diferente de “O exército de um homem só”.

A temática tratada desloca-se da política para os conflitos baseados na vivência do autor como filho de imigrantes judeus.

Nessa história, Raquel é a protagonista. Filha de imigrantes judeus, inserida numa sociedade católica – já que seu pai faz questão de que estudasse em um colégio que ensine latim, sua especialidade – Raquel vive a maior parte do tempo sozinha, com pensamentos e identidade confusos em um meio que não a faz 100% judia e nem 100% cristã. O resultado disso é um híbrido esquizofrênico de quem vive em situação de constante angústia e ansiedade por não se achar, enquanto indivíduo, pertencente a uma definição pré-concebida no mundo.

Sua imaginação e, durante a fase adulta, também seus atos expiam por essa situação. Considerada já condenada pela culpa judaico-cristã e a constante imagem do pássaro representando a eternidade em que passará no inferno, a protagonista passa a ter comportamentos considerados pouco éticos e tem a constante sensação de ser observada.

Como contraste, temos Miguel, também imigrante judeu, mas que se foca tanto na religião que se deu como missão a construção solitária de uma sinagoga. Considerado louco, trabalhou por muitos anos na loja do pai de Raquel e é ele quem nos reservará a surpresa no final do livro.

Posso apenas dizer que o final é a coroação da via crucis de Raquel, havendo o reconhecimento de sua trajetória de “pecados” como algo especificamente humano – ainda mais naquele contexto – e por isso mesmo passível de redenção.

Confesso que o tom profético de algumas partes me incomodou um pouco e eu tive a sensação de que o livro foi curto demais para tratar da temática proposta.

Achei essa sensação esquisita já que adoro contos, mas senti falta de algo que não sei dizer o que seria. Mas no geral, achei uma boa, e por vezes perturbadora – o que é ótimo! – leitura.

4 comentários:

  1. Sinceramente nem achei tão "ohhh". Uma adolescente com conflitos normais para a idade, ainda mais por conta dessa vivência em 2 culturas diferentes. Em nenhum momento do livro diz que os pais de Raquel eram judeus ferrenhos ou algo do tipo. Não vi em nenhuma passagem referências a cultos judaicos feitos no lar dos personagens. Enfim! Uma das coisas esquisitas é a tal sinagoga do Miguel que nunca foi utilizada pelas pessoas, somente por ele (como uma espécie de abrigo). Quanto ao personagem onisciente, para mim não é nenhuma entidade sobrenatural e se explica no fim da história - acho :P
    Adorei os sonhos de Raquel referentes ao afogamento de Francisco. Bem interessantes!

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  2. "Uma adolescente com conflitos normais para a idade"? *8X
    Olha o parâmetro do normal, hein! hohoh
    Conheço gente que simplesmente diria que o livro é sobre uma louca e ponto.

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  3. Bah! Essas gentes que você conhece são hipócritas. Falar em parâmetro de normalidade pra comportamento humano é controverso.

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  4. Como disse thays, tb achei a leitura perturbadora algumas vezes. Me surpreendi com as passagens que "Jeová" fala sobre Raquel, quase sempre em tom irônico. Achei o livro bastante interessante.

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