- Papai, aqui está o relógio que me pediu.
O homem afixou o relógio na parede e caminhou para a sala.
Ainda deitado Onofre olhou para os ponteiros. Recordou de seu antigo relógio de pulso que a pouco havia estragado.
Não era à toa. Há 25 anos aqueles tique-taques haviam se compassado com sua vida.
Assim que seu relógio parou, o velho tentou consertá-lo, mas a complexidade dos mecanismos e a pouca firmeza das mãos impediram a empreitada.
Como o dinheiro que contava se tornou uma espécie de paga à solidariedade da família e suas pernas não podiam ir muito longe, pediu que lhe comprasse outro.
E lá estava. O relógio de pulso se transmutou no de parede.
Era o Tempo separado de suas pulsações que o observaria implacavelmente dia após dia.
Esse novo Tempo passou a demarcar o início de uma era de poucas necessidades após uma trajetória de tantos desejos construídos, desconstruídos e saciados. Agora o que queria era apenas substituir o que falhava por algo que funcionasse sem complexidade, mas com precisão.
Nesse momento, lembrou-se da troca do radinho de pilha acontecida nos primeiros meses de sua ida para a casa de seu filho.
O rádio que havia levado parou de funcionar e como nada o acompanhava tão bem quanto as músicas caipiras, trilha sonora de grande parte de sua vida, pediu a substituição do aparelho.
Recebeu um pequeno rádio azul, que podia confundir-se com um brinquedo infantil.
Tentou não mostrar a decepção ao filho diante do pacote entregue.
Não teve coragem de reclamar, pois não queria desmerecer o ato de quem o levara para a casa para que não se sentisse sozinho.
Onofre sabia que uma solidão não neutralizava a outra, que duas solidões podiam conviver como água e óleo - separadas por uma fina película; intangíveis -, porém comovido com o intento aceitou o convite.
Lá pôde ver um pouco mais seu neto. Um jovem responsável e preocupado. Um tipo que faria orgulho a qualquer família, mas que a seu avô causava pena. Não conseguia entender como, a despeito de tantas facilidades que o mundo atual oferecia, o presente nunca se apresentava suficiente para o rapaz. Para que ficar às voltas de um futuro - já obsoleto antes de existir de fato?, pensava Onofre.
13:58. A cada minuto sentia-se como uma figura desbotando, uma identidade acumulada por mais de oito décadas que se esvaziava progressivamente na troca de pequenos objetos.
Após duas voltas do ponteiro, levantou-se da cama e foi atrás da nora para agradecer o objeto dado.
Dois anos depois encontrava-se pendurado na mesma parede o retrato do velho não mais vivo.
A imagem de Onofre estava reforçada com cores intensas aplicadas pela impressora a laser que não pôde emprestar suas tintas aos olhos daqueles que estiveram próximos durante os últimos anos da vida do velho.
O homem afixou o relógio na parede e caminhou para a sala.
Ainda deitado Onofre olhou para os ponteiros. Recordou de seu antigo relógio de pulso que a pouco havia estragado.
Não era à toa. Há 25 anos aqueles tique-taques haviam se compassado com sua vida.
Assim que seu relógio parou, o velho tentou consertá-lo, mas a complexidade dos mecanismos e a pouca firmeza das mãos impediram a empreitada.
Como o dinheiro que contava se tornou uma espécie de paga à solidariedade da família e suas pernas não podiam ir muito longe, pediu que lhe comprasse outro.
E lá estava. O relógio de pulso se transmutou no de parede.
Era o Tempo separado de suas pulsações que o observaria implacavelmente dia após dia.
Esse novo Tempo passou a demarcar o início de uma era de poucas necessidades após uma trajetória de tantos desejos construídos, desconstruídos e saciados. Agora o que queria era apenas substituir o que falhava por algo que funcionasse sem complexidade, mas com precisão.
Nesse momento, lembrou-se da troca do radinho de pilha acontecida nos primeiros meses de sua ida para a casa de seu filho.
O rádio que havia levado parou de funcionar e como nada o acompanhava tão bem quanto as músicas caipiras, trilha sonora de grande parte de sua vida, pediu a substituição do aparelho.
Recebeu um pequeno rádio azul, que podia confundir-se com um brinquedo infantil.
Tentou não mostrar a decepção ao filho diante do pacote entregue.
Não teve coragem de reclamar, pois não queria desmerecer o ato de quem o levara para a casa para que não se sentisse sozinho.
Onofre sabia que uma solidão não neutralizava a outra, que duas solidões podiam conviver como água e óleo - separadas por uma fina película; intangíveis -, porém comovido com o intento aceitou o convite.
Lá pôde ver um pouco mais seu neto. Um jovem responsável e preocupado. Um tipo que faria orgulho a qualquer família, mas que a seu avô causava pena. Não conseguia entender como, a despeito de tantas facilidades que o mundo atual oferecia, o presente nunca se apresentava suficiente para o rapaz. Para que ficar às voltas de um futuro - já obsoleto antes de existir de fato?, pensava Onofre.
13:58. A cada minuto sentia-se como uma figura desbotando, uma identidade acumulada por mais de oito décadas que se esvaziava progressivamente na troca de pequenos objetos.
Após duas voltas do ponteiro, levantou-se da cama e foi atrás da nora para agradecer o objeto dado.
Dois anos depois encontrava-se pendurado na mesma parede o retrato do velho não mais vivo.
A imagem de Onofre estava reforçada com cores intensas aplicadas pela impressora a laser que não pôde emprestar suas tintas aos olhos daqueles que estiveram próximos durante os últimos anos da vida do velho.
"Romeu, Romeu".
ResponderExcluirIsso pode soar cômico, mas não nesse comentário.
Oie ^^
ResponderExcluirNossa, tenho medo da velhice, perceber que os nossos desejos se abstem.E que nos sobram as vezes apenas uma certa carencia....por atenção.
A velhice parece que nos mostra que por mais ativos que tentamos ser, somos apenas coadjuvantes de nossas prórpias vidas!
Assustador...
Niemi.