segunda-feira, 10 de maio de 2010

A vida é sonho (La vida es sueño)

Que é a vida? Um frenesi.

Que é a vida? Uma ilusão,

uma sombra, uma ficção;

o maior bem é tristonho

porque toda vida é sonho

e os sonhos, sonhos são”.


Esse texto cheio de poesia e questão existencialista me fascinou desde a aborrescência. Talvez o tenha lido em algum livro de gramática ou língua portuguesa, e desde então trago-o na memória. Anos mais tarde, com o super Google, resolvi ver de quem era. E aí descobri ser de um escritor espanhol lá dos anos de 1600 e bolinha, época do barroco: Pedro Calderón de la Barca. Na verdade, esse trecho corresponde a uma peça teatral chamada “La vida és sueño”, onde um rei polonês idiota e supersticioso (só podia, né?) trancou o próprio filho, fazendo-o prisioneiro em uma torre. E por que? Por que o moleque “matou a mãe no parto”, e enquanto a rainha delirava, vaticinou que seu filho traria desgraças ao reino.

Num belo dia, o rei manda chapar o filho com uma substância narcótica e o manda colocar dentro do castelo, com todo o luxo e pompa da época. Por isso o nome da obra...o coitado do príncipe Segismundo passou de um prisioneiro bruto a nobre do dia para a noite, tendo sua origem revelada. Era de se esperar que ele ficasse muito revoltado com o que seu pai fizera. E então em uma só noite, ele descontou toda sua mágoa contida em 20 anos nas pessoas que lhe deveriam ser queridas. Emputecido, o rei manda aprisionar o filho de novo (depois de dopá-lo, claro).

A grande sacada, era conhecer o caráter de Segismundo (em um só dia eles jugaram alguém que excluíram do convívio social duas décadas, mas ok), ver se seria um bom rei - naquela época era importante os reis terem bom coração e todas essas coisas cristãs aí para servir de exemplo ao povo e à Igreja (claro!). Caso ele fosse o tirano que a delirante rainha tinha previsto antes de morrer, eles o jogariam de novo em uma torre suja. Por isso drogaram o coitado, para ele ter a impressão de que parte da vida dele tinha sido um sonho. E como foi julgado, condenado e voltou ao cárcere, ficou mais perturbado ainda...e em um enorme monólogo com rimas, ao final, ele filosofa sobre a fugacidade da vida, comparando-a a sonhos. Achei bem tristinha essa parte.

Claro que durante a peça teatral, uma “tragicomédia”, no final acaba tudo bem e perfeito com dois casamentos - era algo que deveria agradar desde nobres (pois Calderón era um fidalgo) ao povão. Então há outros personagens, modelos de comportamentos da época seiscentista que pretendiam, além da lição de moral cristã, agradar ao povão mesmo: a mocinha ofendida que quer recobrar sua honra; o pai que se arrepende das coisas erradas e resolve assumir a paternidade da mocinha ofendida; o príncipe safado (Astolfo, primo de Segismundo) que desonra a mocinha e foge pra se casar com outra por puro interesse de poder; o lacaio fanfarrão e língua solta que se ferra no final (coitado do Clarim!). Um enredo de novela mexicana mais sofisticado por causa da linguagem e pelo teor filosófico dos monólogos do príncipe Segismundo.

É um livro fácil e rápido de ler (para os preguiçosos de plantão). Embora eu entenda “necas” de teatro (afinal, tive pseudo aulas de teatro na faculdade), deve ser uma peça gostosa de assistir, as rimas são graciosas e as cenas são dinâmicas. Eu recomendo!

Um comentário:

  1. Eu também tive contato com esse trecho há muito anos e sinceramente quando soube que se tratava de uma comédia me decepcionei um pouco.

    Com a leitura dela pude ver que a comédia passa muito pouco por ela (principalmente com o personagem Clarín), mas de forma geral me "reconciliei" ao conhecê-la completamente.

    Sinceramente achei a temática política que perpassa pela história muito precoce para sua época (1635 se não me engano).Me lembrou bastante a discussão que iluministas fariam mais de um século depois ao se preocuparem com a tirania que o rei poderia exercer. Uma das principais preocupações do Basílio era justamente o possível temperamento tirânico do filho, que em contextos diferentes poderia soar como "pulso" para governança.

    Por outro lado vemos marcado seu aspecto medieval, principalmente quando se trata de relacionamentos amorosos, baseado mais na honra e conveniência (a Estrella ficou faceira por não ter perdido a oportunidade de se casar com um futuro rei *8X).

    A carga religiosa do catolicismo também pode ser notada quando vemos a vida sendo tratada como apenas um sono, sendo - possível e implicitamente - colocado o "rei dos Céus" como o verdadeiro viver.

    No final das contas creio que vale a pena tentar ler o original em espanhol, pq a tradução da Renata Palottini comeu algumas partes interessantes também, e a versão traduzida faz perder algumas rimas legais.

    É isso... Uma ótima leitura para inaugurar o blog ! *8)

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