sábado, 9 de agosto de 2014

Precisamos falar sobre o Kevin

Livro da escritora estadunidense (yankee, como diria  minha mãe) Lionel Shriver. 
Não me lembro onde, faz muito tempo que vi "em algum lugar" no mundo mágico da Internet, algum texto sobre psicopatas (não me perguntem o porquê); e lá havia referência ao filme.
Lógico que empolguei na hora. Então, anos depois, vi o livro para download grátis e não resisti.
Aquela coisa de gente chata que gosta de criticar e fazer comparações entre o livro e o filme, sabem?

Achei a personagem principal (vamos dizer assim) muito bem representada pela atriz Tilda Swinton. Os moleques que fizeram o Kevin nas diversas idades também foram muito convincentes. Mas enfim...

O livro nos mostra a história em forma não linear, através de cartas que Eva escreve pra seu marido (e pai de Kevin), Franklin. Se você já viu o filme, o enredo será previsível, mas obviamente contém mais detalhes do que a película (normal). E a linguagem usada não é lá muito simplista também - instigante para quem gosta de pesquisar palavras, lugares e fatos desconhecidos.

Apesar de não ser nenhuma surpresa pra mim, gostei bastante! Mostra certos nuances que não podemos captar em um filme. Apesar de ficção ("qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência"), dá o que refletir; desde a escolha em ter filhos até em patologias catalogadas pela psiquiatria, dentre várias outras coisas.

Se fosse escolher uma palavra que define o livro, seria "perturbador".

Eva Khatchadourian


"[...] começou a desfiar uma longa lista de tudo o que eu não poderia fazer, do que eu não poderia comer e beber e quando — e daí que eu tinha planos de atualizar o guia da Europa Oriental? — eu teria de voltar para a próxima consulta. Aquela foi minha introdução à maneira como, cruzada a soleira da maternidade, de repente você se transforma em propriedade social, no equivalente animado de um parque público. Aquela frase tão recatada, “você agora está comendo por dois, querida”, nada mais é que uma forma de provocação, porque nem mais o jantar é assunto privado seu. De fato, à medida que a terra dos livres vai se tornando cada vez mais coercitiva, a inferência parece ser a de que “você está comendo por nós agora”, pelos cerca de duzentos milhões de enxeridos que têm a prerrogativa, qualquer um deles, de reclamar se porventura algum dia você tiver vontade de comer um donut com geléia e não uma refeição completa, composta por grãos integrais e legumes de folha, que cubra todos cinco principais grupos alimentares. O direito de mandar nas grávidas estava sem dúvida a caminho de entrar para a Constituição".

...

"É o silêncio, mais que a queixa, o que torna a emoção tão tóxica, como os venenos que o organismo não expele com a urina".

...

"Mas andei refletindo sobre o fato de que, para a maioria de nós, há uma carreira sólida, intransponível, entre a depravação mais imaginativamente detalhada e sua execução na vida real. É a mesma sólida parede de aço que se interpõe entre uma navalha e meu pulso, mesmo quando estou no mais extremo desconsolo. Então, como foi que Kevin pôde levantar aquela balestra, apontá-la para o esterno de Laura e realmente, de verdade, no tempo e no espaço, disparar a flecha? Só posso presumir que ele tenha descoberto o que eu nunca desejo descobrir. Que não existe barreira".

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Meu primeiro conto coletivo!

O amigo Vinicius enviou a algum tempo um documento do Word intitulado "O conto de um homem solitário". Segundo ele, um amigo seu leu o texto que ainda não estava finalizado e se deu ao direito de continuá-lo ou a dar uns "pitacos". Combinaram de revezar para terminar o conto, mas parece que não deu certo. Não sei se o motivo foi falta de tempo "para essas coisas menos importantes" da vida ou mero esquecimento.

Enfim! Fui convidada a finalizar e aceitei na hora! Confesso que após ler pela primeira vez, tive ideias totalmente imprevisíveis de como a história poderia terminar. Até ri sozinha aqui em casa, imaginando o Vinicius pê da vida com a subversão de tudo que já tinha sido criado (sim, sou "meio" esquizo).

Sem mais delongas, eis no que culminou a experiência. Desde já peço desculpas (mwahaha - risada maligna) ao amigo caso o fim não tenha sido de seu agrado :D


...
O CONTO DE UM HOMEM SOLITÁRIO

            Era uma praia extensa, como nunca vira igual. Acostumado que estava aos litorais constituídos de pequenas faixas de areia de onde, quase sempre, se avistavam ilhas e escolhos, aquilo lhe impressionava pela vastidão. Já era noite. O horizonte e o céu se misturavam num só espetáculo de trevas. O cenário era muito bonito. A ocasião parecia perfeita. Tudo o que precisava fazer era se levantar do banco de madeira em que estava sentado, caminhar até o mar, se jogar, nadar até uma distância conveniente e, daí, unir-se à eternidade...
            Afinal de contas, sempre sentira que pertencia muito mais ao mar do que a terra. Parecia que as águas o chamavam. Parecia que o firmamento o repelia. Talvez fosse aquele o momento de se deixar levar pelo gigante oceano. E livre estaria de toda a angústia.
            Mas não seria tão simples. Por mais que se sentisse dotado de uma total insignificância, sabia que sua morte atingiria a alguns de maneira trágica. O suicídio, às vezes, parece um ato de egoísmo. É como se livrar de toda a dor que se sente, provocando uma dor ainda maior naqueles que permanecem, naqueles a quem se ama, e pelos quais se é amado. Toda essa rede afetiva chega a ser uma prisão, da qual, por compaixão, não se sai facilmente.
            Assim, naquele banco, entre a terra opressora e o mar libertador, teve vontade de chorar. Mas nem isso conseguia. Os pensamentos se alternavam de maneira frenética e, em meio ao caos, chegava a pensar se seus motivos não seriam, afinal, risíveis. Vivia num mundo em que muitos padeciam de fome e frio, um mundo de guerras, massacres, preconceitos, violência sem fim. E, no entanto, angustiava-se por mais uma tentativa de conquista amorosa que havia fracassado...
            Vivemos em um universo de probabilidades. Algumas coisas são tão prováveis que a diferença entre a possibilidade de acontecer e de não acontecer chega a ser colossal. Pensemos numa pessoa citadina. Ela respira um ar poluído, ingere uma diversidade enorme de alimentos, muitos dos quais de qualidade duvidosa, ela se estressa e também interage com pessoas doentes. Qual a probabilidade de, algumas vezes na vida, ter que ir a um hospital tratar da saúde? Quase cem por cento. Qual a probabilidade de, em um dia, acontecer, ao menos, um acidente de carro pelas estradas do país? Quase cem por cento.
            Agora pensemos nas pessoas vivendo em sociedade. Imaginemos, por exemplo, um homem e sua rotina, desde a infância: amigos, escola, depois os cursos, depois a universidade, daí os trabalhos, os momentos de lazer, sempre rodeado de outras pessoas, sempre interagindo... Qual seria, então, a probabilidade de, em alguns momentos, entrar em contato com pessoas pelas quais venha a se apaixonar, e nas quais encontre reciprocidade? Quase cem por cento. Quase...
            A matemática é infalível. Deem um por cento de chance de que algo aconteça, e eis que pode vir a acontecer. Nada impede que uma pessoa venha a passar uma vida inteira sem ter de ser hospitalizada. Uma grande sorte! Nada impede que tenhamos um dia sem lágrimas derramadas por alguém que se machucou ou veio a falecer devido a um acidente de trânsito. Um dia para ser celebrado! Nada impede que uma pessoa passe uma vida inteira sem encontrar reciprocidade no amor. Que lástima!
            E assim, sentado em um banco junto ao mar, procurava se conformar com o fato de fazer parte dessa porcentagem ínfima. Poderia ser apenas isso, uma questão matemática. Parecia ser o mais razoável a se pensar. Afinal, em que mais acreditaria? Karma? Destino? Propósito de vida oculto? Castigo divino (e um princípio de risada lhe provocou pequenos espasmos, ao pensar nisso)?
            Algumas vezes, um raio de esperança cortava brevemente os céus do pessimismo crônico. Afinal, a história nos dá exemplos de homens que, ainda tardiamente, encontraram alguma felicidade no amor. Luis Carlos Prestes, por exemplo, teve em Olga sua primeira mulher, já contando então com alguns bons anos de idade. É certo que o desfecho dessa aventura foi um tanto trágico, mas não se pode negar que, por algum tempo, nosso militar rebelde teria conhecido o conforto da paixão recíproca.
            Quem sabe se não estaria se angustiando à toa, se na verdade, escrito nas estrelas, não estaria uma grande história ainda a ser vivida, uma relação digna do mais belo livro, ou filme? Era difícil de acreditar.
            “Você é uma pessoa maravilhosa, mas eu o considero um amigo”. “Eu já tenho namorado, e eu gosto muito dele”. “Procuro alguém que compartilhe dos mesmos ideais religiosos que eu”. “Não quero te magoar”. Esses eram cânones, ou mantras que, pela enorme quantidade de vezes que já haviam sido repetidos, pareciam ecoar constantemente em sua alma, como vozes do além, diabólicas, lembrando-o sempre de que era aquilo que a vida lhe havia reservado.
            Que seja! Era-lhe negado o amor? Pois não precisava dele. Inúmeras são as outras faces da vida. Há tanto a aprender, tanto a vivenciar, tanto a criar, tanto a fazer, tanto pelo que lutar... Por que alguém se abateria por lhe faltar apenas um aspecto da vida? Esqueçamos o amor - e viva todo o resto!
            Mas nunca foi tão simples. A solidão é cansativa. A solidão é como um parasita que suga toda a energia de alguém. Tenta-se abstrair, tenta-se pensar apenas em outras coisas, mas ela parece se alimentar, também, dos hiatos entre os momentos de tristeza. Um homem solitário é aquele que mais facilmente se apaixona. É quando um turbilhão de emoções se apossa de seu ser e, em sua ingenuidade, chega a acreditar que sua sorte está prestes a mudar, como alguém que vê o primeiro raio de sol depois da tempestade.
            A cada vez que dá errado, é como se esse monstro da solidão se tornasse maior e mais terrível, e é como se o homem se tornasse ainda menor e mais frágil. E então se torna ainda mais difícil executar os planos, realizar os sonhos, tornar-se útil, enfim, viver... Afinal, tudo parece perder o sentido.
            Assim ele ia refletindo, enquanto as ondas massageavam a costa e as poucas estrelas visíveis vagavam pelo céu. Estava ele numa parte da praia muito pouco visitada. Era uma sexta-feira, e a maior parte das pessoas estava espalhada pelos “points” daquele bairro. Quando ali chegara, caminhando sem destino, não havia ninguém. Agora, ao despertar brevemente de sua angústia e de seu diálogo interior, percebera a presença de uma figura peculiar, no banco ao lado. Estava sentada, sozinha, lendo um livro. Era uma moça, de pequena estatura. Vestia um vestido leve, verde musgo, sem quaisquer figuras ou estampas, que roçava em seus pezinhos, não apoiados no chão, mas na borda do próprio banco. Assim, encolhida, estava totalmente absorta nas palavras de quem quer que fosse o autor. A leve brisa chegava a balançar seus cabelos ondulados e um tanto volumosos.
            Um breve momento reparando naquela moça e o homem pensou: “Está aí alguém por quem me apaixonaria facilmente”. Afinal, a roupa que usava e a maneira em que mantinha os cabelos já denotavam alguém que não se submetia à ditadura da aparência, presente em nossa sociedade. Além disso, alguém que escolhesse, numa sexta à noite, ler um livro, tendo por som ambiente o chiado das ondas e por teto as estrelas do céu ao invés de sair para as tais “baladas”, já trazia consigo algo de interessante.
            Parecia ser linda. Seu rosto pôde ser vislumbrado num momento em que repousou o livro sobre os joelhos, olhou para o céu e suspirou profundamente, obviamente por conta de alguma passagem no texto que a fizera refletir.
            Aqueles poucos elementos observados foram o suficiente para constatar que, provavelmente, aquela era uma ótima pessoa. Mas logo seus olhos se voltaram para o mar, fechando-se em seguida. Ele sabia que, não importava quem fosse aquela moça. Logo ela seguiria seu caminho, e ele, o seu.
            Ficou assim por um bom tempo, quase adormecido. Parecia que, a simples imagem daquela moça havia lhe acalmado um pouco. A monotonia agradável daquele ambiente o havia colocado numa espécie de torpor. Mas não pôde deixar de sentir, de repente, um vento bem mais forte vindo de seu lado direito, de onde estava aquela moça. O tempo deveria estar virando. Abriu então os olhos, olhando para baixo, a tempo de ver passar entre os seus pés um pedaço de papel retangular, indo parar embaixo do banco. E logo viu dois pezinhos calçando sandálias artesanais. Levantou o rosto. E ali estava a moça, encarando-lhe. Em seu rosto havia um sorriso, mas também havia uma lágrima:
            _ Boa noite! Você poderia pegar meu marcador de livros, por favor? Está embaixo do banco!
            Imediatamente ele se abaixou, pegou o marcador, entregou-o à moça e, curioso quanto àquela lágrima, perguntou:
            _ Está tudo bem?
            _ Está sim! _ disse a moça, rindo _ Estou chorando por causa do livro que acabei de ler, que é muito triste!
            Instintivamente o homem procurou olhar para a capa do livro, e eis que era um exemplar da obra “Os Trabalhadores do Mar”, de Victor Hugo.
            _ Entendo. Também chorei ao terminar de ler esse.
            _ Sério? Nunca conheci alguém que tivesse lido este livro.
            _ É meu autor preferido!
            _ O meu também! Que coincidência, hein! Dois apreciadores do Victor Hugo se encontrarem, assim...
            _ E por causa de um marcador de livros!
            _ Você se importaria se eu me sentasse aqui, e se conversássemos um pouquinho? Não é todo dia que podemos conversar com pessoas que se interessam pelas mesmas coisas que nós.
            _ Por favor, sente-se! E concordo com o que disse!
            _ Como se chama?
            _ Arthur. E você?
            _ Eu me chamo Maria Luna. Muito prazer em conhecê-lo, Arthur.
            _ Um nome bonito, devo dizer...
            _ Obrigada, Arthur! Sabe... Acho que, a partir de hoje, sempre que eu olhar para o mar, me lembrarei do Gilliat...
            _ Tive esse mesmo sintoma. Olho para o mar e quase consigo ver as Douvres, e Gilliat conduzindo a Pança em direção a elas...
            _ Será que já existiram pessoas como ele?
            _ Talvez ainda existam. E se existem, é quase impossível vir a tomar conhecimento delas. Em parte por causa da pouca quantidade. Em parte porque, é próprio dessas pessoas, o anonimato, a introspecção... Acho que na vida dessas pessoas as coisas acontecem muito mais em seus interiores do que fora deles... Sendo que o que quer que deem ao mundo, é perfeito! Por ser perfeito, não lhes engrandecem, mas engrandece ao próprio mundo!
            Arthur disse essas palavras olhando para o mar, e assim permaneceu por algum tempo, após terminar. Então notou o silêncio e virou seu rosto para Maria, percebendo que ela o contemplava, com a boca semiaberta.
            _ Você fala de um jeito tão diferente, Arthur!
            Ele, então, não soube o que dizer. Toda aquela angústia, todas as preocupações e medos lhe arrebataram de uma só vez. Porque ele sabia que passaria a pensar em Maria. Sabia que, ainda que nunca mais a visse, seu rosto, seus trejeitos, expressões e palavras não abandonariam sua memória. Sabia que, afinal, continuaria sozinho... Mas sabia também que não era culpa dela. Por isso respirou fundo e resolveu prosseguir com o diálogo.
            No lapso de tempo em que se afundava em seus sentimentos de angústia para depois retornar à realidade, não percebeu que Maria Luna já não estava mais presente. Somente o marcador de livros indicava que por ali esteve alguém acompanhado pela leitura. Teria sido uma miragem, alucinação?
“Siga-me”, leu no verso do objeto. Na areia observou que pegadas faziam uma trilha até as ondas. Seguir as pegadas?
            Chegou até onde a água batia suavemente em seus joelhos, e a Lua cheia iluminou um tecido verde que flutuava ao redor de si. Arthur não conseguia, não queria acreditar no que a situação parecia dizer-lhe aos gritos.
            Verdadeiro desalento invadiu seu ser, e sem pensar em outras possibilidades seguiu, inconsciente, ao chamado de siga-me. Mergulhou num oceano de ondas geladas e nadou até onde suas forças o levaram. Depois tudo se tornou lento e a consciência escureceu.
            Não sabia precisar quanto tempo ficara desacordado. Encontrava-se perto de uma rocha em pleno alto mar, onde havia uma silhueta feminina imóvel. O luar envolvia a figura e a inundava em uma atmosfera mágica, de sonho.
Ainda estaria vivo? Não entendia como fora parar naquele lugar, aparentemente muito distante de toda a terra existente no mundo.
            Aproximou-se da mulher ali parada e reconheceu Maria Luna. Seus olhos eram os mais profundos que já vira; mais profundos e enigmáticos que o próprio oceano. Tocou levemente a testa de seu recente amigo e então aconteceu algo surpreendente.
            Como se revivendo a vida a partir da primeira vez que se apaixonou, Arthur teve a perspectiva da probabilidade que até então a vida lhe negara. Viveu o amor correspondido, finalmente! As primeiras sensações, o primeiro beijo, os ciúmes e a separação.
Depois outro amor e a descoberta da traição, leviandade e as marcas que atos imaturos deixam em nós. Desilusão.
O brilho do recomeço, do despertar do interesse recíproco e da dor de ter sido trocado como se fosse um objeto de menor valor mercantil.
            E assim, num caleidoscópio realístico, sua “outra vida” se desenrolava. E viveu recomeços mais românticos e também finais mais trágicos. A cada “vida” sentia no âmago do seu ser as vilezas da alma humana. O sofrimento sempre parecia insuportável, até que um pior sobrevinha.
            Após todo esse frenesi mágico e doloroso da vida paralela, viu-se caminhando para o mar para morrer e fugir daquele suplício. Não daquele que conhecia da “vida real” e intitulava como solidão (por não ser correspondido); mas um de proporções maiores, uma dor tangível e pulsante – o sofrimento por perder seu lado humano mais sensível, por não acreditar mais em seus semelhantes, por perder a fé na humanidade.
Em cada pessoa vira surgir vários demônios destruidores que depois riam seu riso esganiçado e sarcástico, a debochar da inocência e credulidade de quem buscava a felicidade, essa eterna ilusão.
A luz do sol matinal brincava na areia e concedia um agradável calor a sua pele. Arthur despertou sozinho na praia, confuso e alquebrado. Aos poucos recobrava a memória e seu coração não deixou de bater indiferente ao que, de certa maneira, vivenciou na noite anterior.
Mas então sobreveio uma paz nunca antes experimentada, e a revelação se fez por completo. A partir desse momento não iria mais maldizê-la ou cortejar a morte. Entendeu que sua companhia era a mais preciosa a mais injustamente injuriada de todos os tempos. Iria aprender a andar de mãos dadas com ela, a compreendê-la melhor, a lhe dar o devido valor.
Próximo ao seu corpo viu o marcador de livros com os dizeres de “siga-me” de um lado, e de outro, “solidão”- a presença que nunca faltava, a companhia sempre presente e que ele insistiu por muitos anos em não enxergar.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O imitador de vozes - Thomas Bernhard

"Oi, eu sou Thomas Bernhard e vou te provar que a vida é uma merda"


Thomas Bernhard foi outro autor que descobri através do programa Provocações (já escrevi um post falando sobre como, antes dos blogs/vlogs literários, essa era uma das minhas principais fontes para conhecer novos autores – se se interessar, clique aqui).

Se não me engano o apresentador, Antonio Abujamra, falava sobre pessimismo/realismo e então comentou sobre esse autor. Claro que isso atiçou minha curiosidade!

Confesso, porém, que, após ganhar o livro “O imitador de vozes” a leitura demorou um pouco pra deslanchar porque, pelo menos comigo, há períodos em que estou querendo me apegar a personagens de romances e em outros prefiro a brevidade de contos.


A capa já é um dos seus contos. Bom pra se ter uma ideia do que virá.


No caso dessa obra, ou melhor, dessa coletânea, temos em apenas 158 páginas mais de 100 contos! Imagine o quão curtos são! Ao mesmo tempo, imagine a contundência deles! Digo isso porque, por menores que sejam, muitos dos contos finalizam como um soco no estômago ou como a suspensão de um possível clímax. Há incontáveis mortes por motivos bestas, suicídios e diversas atitudes tomadas com a sinceridade e ao mesmo tempo cinismo com que “as coisas como são” acontecem.

Após ler alguns contos fui arrebatada pelo estilo de Bernhard, mas confesso que não sei se daria conta de ler um romance dele.

Recomendo esse livro a pessoas que gostam de uma abordagem niilista da realidade.

Creio que leitores de Kafka gostarão dele, mas não recomendo uma maratona seguidas dos dois autores, porque sempre precisamos deixar uma esperançazinha besta pra termos vontade de levantar todas os dias da cama.

Deixo aqui outro aperitivo:


Decisão
Segundo cuidadosas estimativas, duas mil e quinhentas pessoas perderam a vida no último terremoto que assolou Bucareste, mas cálculos exatos revelaram que cerca de quatro mil pessoas morreram sob os escombros. No mínimo quinhentas pessoas a menos teriam morrido se a cidade tivesse agido contrariamente às ordens expressas do funcionário da administração municipal encarregado do assunto – que determinou que os escombros de um hotel completamente destruído fossem aplanados em vez de removidos – e houvesse, portanto, removido os escombros.
Uma semana após o terremoto, pessoas ainda ouviam os gritos de centenas de soterrados, provenientes daqueles mesmo escombros. O funcionário da administração municipal, no entanto, mandou isolar a área em torno do hotel, até que lhe informassem que nada mais se movia ali e que mais nenhum som provinha dos destroços. Somente duas semanas e meia depois do terremoto foi permitido aos habitantes de Bucareste examinar a montanha de escombros, que na terceira semana foi aplanada por completo. O funcionário teria deixado de salvar, por uma questão de custos, os cerca de quinhentos hóspedes soterrados do hotel destruído. O resgate teria custado mil vezes mais que o aplanamento, e isso sem levar em conta que teriam sido retirados dali provavelmente centenas de feridos graves, os quais o Estado precisaria manter por toda a vida. Naturalmente, consta que o funcionário teria se certificado também da concordância do regime romeno. Sua promoção a posto mais alto do governo, diz-se, seria agora iminente.


Caso você decida ler o livro ou já tenha lido e sobrevivido sem tentar dar um tiro na cabeça, venha contar sua experiência! :D

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Havia gigantes na Terra

Mais um livro do falecido pesquisador (e mais um monte de coisas) Zecharia Sitchin. Ê! Apesar do "O 12º planeta" estar escrito de uma forma bem confusa, ainda vale a pena começar com "O livro perdido de Enki" e esse, "Havia gigantes na Terra" (editora Madras).

Embora o livro comece pela história antiga mais recente, digamos assim, isso serve para fazer ligações até chegar no assunto em si: a civilização suméria. Sim, a coisa é tão intrigante que fiquei um pouquinho obcecada (eu diria curiosa) pelo tema.

O autor nos trás várias evidências ou reflexões a respeito de várias outras histórias (mitologia, religião) contadas a nós que já existiam na época dos chamados "anunnakis".

Não sei vocês, mas já me declarei adepta da "teoria dos deuses astronautas". Disse isso pra minha mãe e ela deu risada, falou que era ridículo (mas acreditar num professor francês sexagenário que disse ser um druida em outra vida e compilou livros ditados por espíritos tudo bem, né, normal). Enfim...

Não que eu seja a dona da verdade e que as coisas em que acredito sejam também a mais pura realidade, mas cá entre nós, pelo menos existem evidências documentadas... Mas isso cada um é que sabe! Também é válido encarar como história da carochinha ou mitologia, apenas.


Tem uma resenha bem legal no site da Vila Mulher, mas quem prefere o suspense, melhor ir direto ao livro e ver por si mesmo.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Enquanto isso, no canal...

Enquanto isso no canal, comentários sobre o livro "O sonho do celta" de Mario Vargas Llosa.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A Virgem da Hungria

Romance de Étienne-Léon Lamothe-Langon, escritor francês nascido no final do século XVIII. A Virgem da Hungria é também chamada de "o vampiro" ou "a mulher vampiro"; se parece muito com os relatos da ocultista Helena Petrovna Blavatsky, que pretendem ser baseados em "casos reais", ou no folclore de algumas regiões do leste europeu - Hungria, mais precisamente.

Na introdução, o escritor sugere (na verdade, ele é bem explícito) que a crença em seres sobrenaturais não surge entre pessoas esclarecidas, das grandes cidades, e sim entre pessoas simples, de pouca instrução, e geralmente de cidades pequenas.

Bom, já li várias histórias parecidas, de Blavatsky à Wera Krijanowski e outros relatos de folclores, digamos assim. Parecidas, mas não iguais. E não, não é tipo "Crepúsculo", como perguntou um amigo (haha).

Enfim! Quem não tem paciência para linguagem rebuscada, não recomendo. Era uma época em que as pessoas ainda se tratavam por "vós", tinham títulos de nobreza e andavam de carruagens.
Tiveram alguns detalhes que o autor colocou "a mais", digamos assim, que ficaram um tanto quanto sem sentido. A história da luva, por exemplo.

Resumindo, é um livro interessante, embora o final não seja convencional e nem muito macabro - na minha opinião, claro! E o motivo pra tanto drama assim, achei exagerado. Mas que humano não é cheio de exageros?

Classificado como "contos de fadas" em Portugal.


É unicamente na vida retirada, que a alma se abandona a uma confiança, que ainda ninguém pôde iludir: só a frequência e a prática dos homens pode ensinar-nos a temê-los, e a fugir deles!

...
Este dia tão belo, e tão brilhante, 
Desta onda, destes vales a beleza, 
Meus olhos não atraem, nesse instante 
Em que minha alma é só da natureza?... 
Mostra-se-me a ventura vacilante. 
Quando mais a esperava com certeza; 
E perdendo da vida o doce engano, 
Falaz esp'rança e meu algoz tirano. 

Suave sono que conforta a vida. 
Meigo recobro que nos dá alento, 
Em dura se converte acerba lida. 
Em novo, ingrato, mais cruel tormento. 
Rápido foge o tempo, e sem guarida,
Debalde espero um feliz momento. 
Renova-se-me a dor, e na amargura, 
Perco o prazer, a paz, perco a ventura. 

Exânime tentei desventurosa 
Lançar-me na mansão da sepultura; 
Mas uma nova pena tormentosa 
Veio roubar-me à sua sombra escura: 
Eu vivo, e não existo, pois saudosa 
Triste me envolve eterna quadra dura; 
Na fria estância aonde habita a morte 
Não tenho esp'rança de mudar de sorte!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A Aldeia de Stepántchikovo

Trinta e três anos, idade do juízo? Finalmente conheci o famoso Fiódor Dostoiévski. Por quase um acaso, se é que acasos existam. Graças aos meus colegas Sensuais, encontrei esse exemplar da Editora 34, na versão epub.
Então, com um pouco de vergonha na cara, li. Ê!

Embora seja um livro tranquilo na linguagem (mesmo com os pequenos dicionários ao final de cada capítulo, explicando alguns termos, nomes etc), não li de uma só vez. Por quê? Porque o personagem em destaque, Fomá Fomitch, é muito irritante. Juro que várias vezes parei a leitura porque tinha vontade de enforcar o tiozinho e dar uns tapas nos outros personagens, pra tomarem atitude.

Nas últimas páginas do livro, encontramos algumas observações de Lucas Simone a respeito da obra e a provável caricatura de outro escritor russo, Gógol, no tal Fomá.

A história é uma loucura só, parece mesmo que estamos em um manicômio. O único personagem, o narrador, que parecia ser o mais sensato, ao final se deixa contagiar, digamos assim. Está em tom de comédia, mas sinceramente, personagens cheios de chiliques, birras e essas coisas me deixam doida de raiva (assim como alguns de O Morro dos Ventos Uivantes).

É, talvez eu seja apenas uma velha mau humorada ou relembre muito meu comportamento de criança birrenta - e de outras crianças também, por que não? Enfim, tentarei outra obra desse famoso escritor.



E eu lhe pergunto: para que um servo precisa saber francês? Para que a nossa gente precisa saber francês, para quê? Para ficar de galanteios com as senhoritas durante a mazurca? Para ficar de gracinha com mulheres casadas? É uma depravação, e nada mais! Pois eu acho que basta beber uma garrafa de vodca para sair falando em qualquer língua. É esse tanto que eu respeito o francês!


(Depravação é ótimo!)
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