sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A trégua - Mario Benedetti






Na busca por conhecer a literatura latino-americana topei com um livro que tem uma das características que gosto: um protagonista idoso.
Na verdade, nem o considero como tal em termos cronológicos. O personagem principal, Martín Santomé, tem apenas 49 anos, mas para ele, aliás, para o período em que foi escrito o romance (1960), a aproximação dos 50 anos acabava apontando o avançado da idade.

Não apenas a idade, como também o período ao qual Martín se aproxima, a aposentadoria, preenchem o romance de nostalgia e, ao mesmo tempo, pelo medo de cada vez mais se colocar à margem daquilo que é considerado padrão em nossa sociedade. Além disso, Santomé convive com a memória de sua primeira mulher já morta.

O vazio cotidiano de um escritório e a perspectiva de que ele se estenda para o restante de sua vida traz uma sensação constante de derrota até que, em meio a papeis e carimbos, entra em contato com uma nova colega de trabalho: Laura Avellaneda.

Laura, uma jovem de um pouco mais de 20 anos, aos poucos torna-se foco de atenção do nosso protagonista. A partir daí surge um romance que, ao contrário daquela referência à primeira esposa, quando amor expressava-se de forma inflamada, agora a associação maior que temos é de acolhimento perante àquela vida arrastada. 

O final do livro é um crescendo de angústia que Benedetti descreve de forma cortante. Confesso que me balançou um bocado.

Gostei muito do livro, pois ele não discute apenas os matizes de uma relação amorosa, mas também mergulha em pensamentos sobre a postura perante à vida, à morte e relações humanas em geral (dando destaque à forma como Martín se relaciona com os filhos, tão diferentes entre si). Não é à toa que é o romance mais conhecido do autor.

Deixo dois trechos que são apenas pequenas demonstrações de um universo de reflexões que tornam o livro uma ótima experiência:



Vida, quando dizemos, por exemplo, que “nos agarramos à vida”, estamos assimilando-a a outra palavra mais concreta, mais atraente, mais seguramente importante: estamos assimilando-a ao Prazer. Penso no prazer (qualquer forma de prazer) e tenho certeza de que isso é vida. Daí a pressa, a trágica pressa deste 50 anos que me pisam os calcanhares. Ainda me restam, assim espero, uns quantos anos de amizade, de saúde passável, de afãs rotineiros, de expectativa ante a sorte, mas quantos me restam de prazer? Eu tinha 20 anos e era jovem; tinha 30 e era jovem; tinha 40 e era jovem. Agora tenho 50 anos e sou “ainda jovem”. “Ainda” significa: está acabando. p. 80

E você acredita em Deus?”, disse ela, continuando o diálogo queeu havia iniciado em pensamento. “ Não sei, eu queria de Deus existisse. Mas não estou muito certo disso. Também não tenho certeza de que Deus, se existe, vá estar de acordo com nossa credulidade a partir de alguns dados dispersos e incompletos”. “Mas está claro! Você se complica porque quer que Deus tenha rosto, mãos, coração. Deus é um denominador comum. Também poderíamos chamá-lo de Totalidade. Deus é esta pedra, meu sapato, aquela gaivota, sua calça, essa nuvem, tudo”. “E isso atrai você? Isso a satisfaz?” “Pelo menos me inspira respeito.” “A mim, não. Não posso conceber Deus como uma grande Sociedade Anônima. p. 108

Um comentário:

  1. Taí, tenho que comentar nessa resenha porque é um dos livros que pretendo ler, embora, diferente de você, não cumpactuo com personagem de idade, muito menos escrito em forma de diário.

    Parece-me então, os casos de um personagem que se sente impotente em relação a realidade, por ja ter 49 e aposentado sem fazer nada. Um cara vazio, onde o autor conduz de forma angustiante o final. É um livro cuja leitura abala sim, mas o destaque é como o escritor discorre sobre relações amorosas, fazendo um paralelo com o passado e agora do protagonista, porque os homens de uma certa idade colocam a qualidade da companhia da parceria a frente da beleza como fazem os mais novos.

    Boa resenha.

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